Ler por aí… em Timor: Peregrinação de Enmanuel Jhesus, de Pedro Rosa Mendes
Às 9 horas da manhã de sábado, 4 de Setembro de 1999, no Hotel Ma’hkota, em Dili, Ian Martin, chefe da missão internacional, anunciou os resultados da consulta popular em Timor-Leste: 21,5 por cento tinham votado a favor da autonomia, 78,5 por cento votaram contra.
O anúncio foi feito em simultâneo com a sede das Nações Unidas em Nova Iorque. O resultado era inequívoco, pois a ‘Comissão pôde concluir que a consulta popular foi isenta, do ponto de vista processual e conforme com os Acordos de Nova Iorque, constituindo, consequentemente, um reflexo exacto da vontade do povo de Timor Leste’, sem distorções ou constrangimentos de outra ordem.”
Meia ilha do arquipélago das Pequenas Sondas, que está tatuado na perna direita de Alor: Timor Lorosae, onde nasce o sândalo, “…homde nace o samdollo.”
O mapa que tem tatuado é uma réplica do atlas de Francisco Rodrigues, elaborado entre 1511 e 1515, durante as viagens que fez ao lado de Afonso de Albuquerque em busca das “ilhas das especiarias”, as ilhas Molucas.
Encontrar o mapa das Sondas na anatomia de Alor é como encontrar constelações, linhas imaginárias a formar figuras unindo as estrelas. Diz Wallacea, que conheceu de bem perto este mapa tatuado,
Alor é feito de estrelas.”
Percebo pelo belíssimo diálogo entre Alor e Wallacea que as Pequenas Sondas se estendem pela perna direita em direcção ao tronco, e as Grandes Sondas passarão pela perna esquerda. Timor estará no peito, no coração: Timor Lorosae, onde nasce o sândalo, “…homde nace o samdollo.”
Este é um livro difícil. Os personagens entrelaçam-se, o tempo avança e recua, como a cabeça de um tear – como um tais, embora esteja incerta de que este seja um tributo ao povo timorense, como foram os tais:
A colecção de tais – os panos tradicionais timorenses – não tinha apenas um valor museológico incalculável. A colecção era, também, o registo mecanográfico do genocídio: milhares de tais, com milhares de nomes, alinhados, acumulados, salvos do esquecimento.
Durante duas décadas, as nossas mulheres receberam ordens da liderança para fazer algo mais do que chorar: a instrução era para tecerem o nome do seu choro (…)”
Pedro Rosa Mendes
Pedro Rosa Mendes nasceu em 1968, em Cernache de Bonjardim, concelho da Sertã. Estudou Direito em Coimbra, e é jornalista. Depois das experiências na Rádio Universidade de Coimbra e no Jornal de Coimbra, integrou a equipa do Público, na sua fundação – primeiro na secção de Cultura, e depois na secção Internacional. Cobriu vários conflitos em África e na ex-Jugoslávia, enquanto jornalista freelancer para o Público e para a Visão. Foi como delegado da Lusa que esteve em Timor de 2007 a 2010. Peregrinação de Enmanuel Jhesus, o seu último romance, decorre desta experiência.
Baía dos Tigres (1999) foi o seu primeiro romance, que mereceu o Prémio Pen Club e está publicado em mais de 20 países. Outros romances: Atlântico (2003, romance fotográfico em co-autoria com João Francisco Vilhena) e Lenin Oil (2006, romance em co-autoria com Alain Corbel). Publicou também livros de reportagem.
Timor
Timor, a ilha que nasceu de um crocodilo, é um destino turístico ainda pouco explorado e, por isso, genuíno.
Subir ao Matebian é passar por entre os pedregulhos pontiagudos, antropomórficos, e pisar o solo que foi reduto da Resistência independentista. Subir o Ramelau é conquistar o maior cume da ilha (cerca de 2.400m de altitude).
Visitar Lospalos é conhecer a autêntica casa timorense, que Alor procurava, a casa fataluku, a uma lulik: construção ritual, casa tótem, de ligação com os antepassados. Muitas destas casas foram destruídas pelo regime indonésio, numa tentativa de anular a cultura local.
Em 2016, o mar de Ataúro foi considerado pelo The Guardian como o local da terra com maior biodiversidade. Ao contrário das restantes Sondas, que são vulcânicas, Timor é formado por corais. As areias têm por isso reflexos lindíssimos, dizem. Os mergulhos são um espectáculo de côr e de vida.
Timor é o meu lugar de nascença. Vim com 21 dias, e nunca regressei. Os meus pais sempre me disseram que era essa a minha Terra. Tenho imagens de paraíso, de pôr-do-sol na praia e de estrelas do mar azuis que brilham no escuro.
Margarida Branco
©2020 Ler por aí…
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