Ler por aí… no Quénia

Ler por aí… no Quénia

“Tive uma fazenda em África, no sopé das montanhas Ngongo.

O equador passa a sessenta quilómetros a norte desta região e a fazenda ficava a uma altitude de mais de dois mil metros. Durante o dia sentíamo-nos mais perto do sol, mas as madrugadas e os fins de tarde eram límpidos e tranquilos e as noites frias.

A situação geográfica e a altitude combinavam-se para criar uma paisagem inigualável. A terra não era farta nem luxuriante; era África destilada por dois mil metros de altitude, a essência forte e depurada de um continente.”

O Vale do Rift, a grande falha tectónica que se estende desde a Síria até Moçambique, é o berço da humanidade, a região do planeta a partir de onde os nossos antepassados mais remotos iniciaram a longa caminhada e se espalharam por todo o mundo. Sabendo isto, poder-se-á imaginar que os nativos destas regiões sejam os mais genuínos descendentes daqueles seres antigos.

Ao ler África Minha, sentimos que é assim que Karen Blixen vê os nativos que habitam na sua fazenda e em seu redor – tanto somalis como masai como kikuyus surgem como seres humanos que mantém uma memória há muito esquecida pelos povos ditos civilizados, e que lhes proporciona uma certa forma de sabedoria e nobreza.

O retrato de um modo de vida em comunhão com a natureza e com aquilo que há de mais primitivo na humanidade torna este livro uma obra de culto. Karen Blixen descreve com detalhe os hábitos, culturas e rituais de somalis, masais e kikuyus, por um lado, e do colonialismo inglês na África Oriental, tanto na perspectiva institucional como social, por outro. No entanto, não se lê África Minha sem um certo desconforto perante a forma descontraída com que Karen e Denys abatiam um leão ou uma árvore milenar. Há que fazer o esforço de enquadrar a leitura na sua época e no sistema de valores vigente.

A casa de Karen Blixen na fazenda é hoje um pequeno museu, nos arredores de Nairobi. Ao que parece, uma boa parte do mobiliário é original, e terá sido a casa utilizada nas filmagens do filme de Sydney Pollack (1985). A plantação de café já não existe – de facto, Karen acabaria por concluir que a altitude e clima do local não eram os adequados ao cultivo do café. Em redor da casa, podem ver-se engenhos da época, utilizados para o processamento do café. Existe um conjunto de outros edifícios, não anexados ao museu, que faziam parte da fazenda – a fábrica, o escritório (hoje transformado em restaurante e hotel) e o armazém de café (hoje uma residência particular).

O primeiro livro de não ficção no Ler por aí… África Minha é uma obra auto-biográfica, mas não é uma auto-biografia. Para conhecer em mais detalhe a vida de Karen Blixen em África, leiam também Sombras no Capim ou as Cartas de África (ainda apenas traduzido em castelhano).

 

Karen Blixen

Foto retirada do site da AfricanMecca Safaris http://www.africanmeccasafaris.com

Karen Blixen nasceu em 1885 na Dinamarca, de uma família nobre, e com o marido (Bror Blixen) partiu para Nairobi, onde em 1914 iniciaram uma plantação de café. Separou-se do marido em 1921 e manteve-se à frente da fazenda, com a ajuda do irmão Thomas durante os dois primeiros anos, e sozinha nos restantes oito. Neste período, Denys Finch Hatton viveu com Karen na fazenda.

Em 1931, falida a fazenda, e morto o amante num acidente de aviação, Karen Blixen regressa à Europa. É na Europa que publica toda a sua obra, que para além de África Minha (1937) inclui Sete Contos Góticos (1934), Sombras no Capim (1960) e Anecdotes of Destiny (1958), de onde foi extraído o conto em que se baseia o filme A Festa de Babette (1987) do realizador dinamarquês Gabriel Axel.

Karen Blixen morreu em 1962. As Cartas de África foram editadas postumamente, em 1981.

 

As montanhas Ngongo e o Vale do Rift

Foto retirada do site de Kijabe (url indisponível)

A região das montanhas Ngong é uma cordilheira que fica a oeste do vale do Rift. De lá de cima avista-se este deserto, de um lado, e o Parque Nacional de Nairobi, a savana, do outro.

A fazenda de Karen Blixen fica a cerca de 15 quilómetros de Nairobi, e de lá avista-se a sepultura de Denys Finch-Hatton. Se tiver oportunidade de realizar um safari nesta região, poderá ficar alojado em cabanas ou em casas de hóspedes, todas com aquele toque colonial. Bons locais para ler mais um capítulo de África Minha.

 

Margarida Branco
© Ler por aí… (2007)

 

 

 

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