Na fotografia que o Manel escolheu para a publicitação desta sessão, eu estou bastante despenteada. Acho que ela ilustra muito bem o que eu vou dizer, ou seja exprimir pensamentos muito despenteados. É que é esse o meu forte, e se alguma vez fui uma Académica, fui uma académica muito despenteada…Dito isto, passemos ao que nos trouxe aqui.
Quandi li “A Mosca”, pareceu-me ter uma certeza: O Manel é um “farsista” nato! A palavra não existia mas passa a existir. É que “farsante” passou a ter uma conotação pejorativa, claro! Farsantes eram os actores que interpretavam as farsas – logo, a sociedade só os podia ver como aldrabões, intrujões, pessoas em quem não se pode confiar. Portanto “farsista” passa a ser, para mim, aquele que recria artisticamente o mundo como uma farsa. Seguidamente pensei: o Manel é um filho legítimo do projecto artístico de “A Barraca” ou, mais especificamente, tem a marca teatral do Helder Costa. Quero dizer com isto que fala de coisas sérias, incómodas e até trágicas, com uma grande gargalhada, fazendo o leitor ou o público (futuro) gargalhar com ele. E apetece acompanhar a leitura com um copo de tinto – foi o que eu fiz – e, no meu caso, relembrar as gargalhadas sonoras do Manel quando, em tempos idos, girávamos por esse país dentro, levando connosco Gil Vicente e Ruzante, Guarnieri e Boal, para o oferecer a públicos que nunca tinham visto teatro, coisa que cada vez mais se torna impossível, não que não haja públicos sem teatro, não há é vontade política que isso aconteça. Mas já estou a ir por caminhos, que embora pertinentes, não me foram encomendados. Portanto voltemos à “Mosca” e ao 3º Pensamento. (E é de pensar que trata a obra, aliás a palavra mais vezes repetida no texto é a palavra “PENSAR”. Portanto – 3º Pensamento (despenteado, como já disse) : “A Mosca”é um texto teatral de um Autor/Encenador/Criador de Banda Desenhada. Vou tentar ser mais clara : Quando ele cria as cenas e as personagens da peça, ele vê-as, move-as, desenha-as, estiliza-as como numa história aos quadradinhos para adultos. A tradição de escritores/desenhadores e de dramaturgos/desenhadores que reinventaram o mundo com a sua arte já vem de longe, basta lembrar alguns – Almada Negreiros, Jean Cocteau, Mário Cesariny, Artaud, Ana Hartely, Baudelaire, Apollinaire, Valery, Mayakovski etc. etc.
Mas é de Rafael Bordalo Pinheiro que me lembro com mais força quando leio os “Retratos Teatrais”. Aliás o Zé Povinho é uma das personagens do Manel, o Zé Povinho e o seu tetravô, o “Ninguém” do Mestre Gil. E porque é que me lembro do Bordalo Pinheiro? Isto até parece uma sessão de auto-análise! Mas é que o Teatro tem muito mais a ver com a intuição do que com a racionalização, embora tivesse sido isso que me foi pedido, mas eu já tinha avisado – o meu pensamento é despenteado. O Bordalo, para além das cerâmicas que adoro – antes de serem vestidas por uma … não sei como chamar-lhe…uma Mimi, artista oficial do governo passado…,o Bordalo, não sei se todos sabem, Andou na Escola de Artes Dramáticas e chegou a estrear-se como actor no Teatro Garrett. Foi obrigado pela família a desistir, mas nunca abandonou o teatro, quer como espectador quer como desenhador e caricaturista de actores e de faits-divers do mundo teatral do seu tempo, deixando-nos um legado iconográfico que nos permite visualizar o que teria sido o teatro na Lisboa oitocentista. Mas também me lembro do Bordalo, porque foi o primeiro autor português de Banda Desenhada – “O Calcanhar de Aquiles” de 1875 e, logo a seguir “ A Berlinda”, em que se afirmava como forte aliado das “Conferências do Casino” contra o obscurantismo e o reacionarismo da sua época. Portanto e para concluir o 3º Pensamento: O Manel bebe no Gil Vicente, come no Bordalo, respira no Helder, faz vénia ao Kafka e ao Teatro do Absurdo e dá largas à sua persistente e impiedosa observação da nossa sociedade e dos seus fantoches trágico-cómicos, porque é um homem que meteu a mão na massa com que se faz o Teatro.
E agora só um desabafo – nos “Retratos” incomodou-me muitíssimo “ A Ocupação”. Vivi intensamente esses tempos, aliás como quase todos os que aqui estamos. Não tinhamos um pensamento comum, mas acho que todos acreditavamos seriamente nas nossas teorias e práticas políticas – partidárias ou não. Eramos jovens, com sangue na guelra, e queríamos transformar o sonho prometido pelo 25 de Abril numa realidade para nós, nossos filhos e netos . Muitos de nós tivemos conflitos ideológicos, houve separações dolorosas que duraram largos anos, fomos à luta e à luta pela vida, sentimo-nos vencidos, defraudados, indignados, vencemos algumas vezes, fomos vencidos quase sempre mas continuámos a lutar, de uma maneira ou de outra – neste caso através da Cultura e da Arte, convocados por um Amigo desses tempos. Estamos vivos e não dobrámos a espinha. Aleluia! Mas o texto do Manel fez-me relembrar pessoas e reviver situações tão feias, que durante toda a leitura, o copo de tinto ficou esquecido e o meu estômago deu um nó. Aquelas personagens caricaturizadas adquiriram corpos e vozes de gente real com quem me cruzei, gente que me causou mágoa e nojo, gente que nunca mais me apeteceu ver mas que anda aí, na maior parte dos casos, impante e olimpicamente soberana, desmandando mas subserviente – aos patrões nacionais ou europeus ou americanos ou…ou…seja o que for que lhes dê mordomias e que se lixe o resto. A estes, Manel, não é preciso recomendar que pensem. Eles sabem demasiado bem o que pensar e como pensar. A estratégia é o seu prato forte. Estes é que são donos de estratégias para sufocar o pensamento dos outros, e têm tido algum sucesso. Parabéns Manel, conseguiste com o teu escárneo reviver o nojo que sinto por essa gente.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these cookies, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may have an effect on your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. This category only includes cookies that ensures basic functionalities and security features of the website. These cookies do not store any personal information.
Any cookies that may not be particularly necessary for the website to function and is used specifically to collect user personal data via analytics, ads, other embedded contents are termed as non-necessary cookies. It is mandatory to procure user consent prior to running these cookies on your website.
Manuel Marcelino –
Na fotografia que o Manel escolheu para a publicitação desta sessão, eu estou bastante despenteada. Acho que ela ilustra muito bem o que eu vou dizer, ou seja exprimir pensamentos muito despenteados. É que é esse o meu forte, e se alguma vez fui uma Académica, fui uma académica muito despenteada…Dito isto, passemos ao que nos trouxe aqui.
Quandi li “A Mosca”, pareceu-me ter uma certeza: O Manel é um “farsista” nato! A palavra não existia mas passa a existir. É que “farsante” passou a ter uma conotação pejorativa, claro! Farsantes eram os actores que interpretavam as farsas – logo, a sociedade só os podia ver como aldrabões, intrujões, pessoas em quem não se pode confiar. Portanto “farsista” passa a ser, para mim, aquele que recria artisticamente o mundo como uma farsa. Seguidamente pensei: o Manel é um filho legítimo do projecto artístico de “A Barraca” ou, mais especificamente, tem a marca teatral do Helder Costa. Quero dizer com isto que fala de coisas sérias, incómodas e até trágicas, com uma grande gargalhada, fazendo o leitor ou o público (futuro) gargalhar com ele. E apetece acompanhar a leitura com um copo de tinto – foi o que eu fiz – e, no meu caso, relembrar as gargalhadas sonoras do Manel quando, em tempos idos, girávamos por esse país dentro, levando connosco Gil Vicente e Ruzante, Guarnieri e Boal, para o oferecer a públicos que nunca tinham visto teatro, coisa que cada vez mais se torna impossível, não que não haja públicos sem teatro, não há é vontade política que isso aconteça. Mas já estou a ir por caminhos, que embora pertinentes, não me foram encomendados. Portanto voltemos à “Mosca” e ao 3º Pensamento. (E é de pensar que trata a obra, aliás a palavra mais vezes repetida no texto é a palavra “PENSAR”. Portanto – 3º Pensamento (despenteado, como já disse) : “A Mosca”é um texto teatral de um Autor/Encenador/Criador de Banda Desenhada. Vou tentar ser mais clara : Quando ele cria as cenas e as personagens da peça, ele vê-as, move-as, desenha-as, estiliza-as como numa história aos quadradinhos para adultos. A tradição de escritores/desenhadores e de dramaturgos/desenhadores que reinventaram o mundo com a sua arte já vem de longe, basta lembrar alguns – Almada Negreiros, Jean Cocteau, Mário Cesariny, Artaud, Ana Hartely, Baudelaire, Apollinaire, Valery, Mayakovski etc. etc.
Mas é de Rafael Bordalo Pinheiro que me lembro com mais força quando leio os “Retratos Teatrais”. Aliás o Zé Povinho é uma das personagens do Manel, o Zé Povinho e o seu tetravô, o “Ninguém” do Mestre Gil. E porque é que me lembro do Bordalo Pinheiro? Isto até parece uma sessão de auto-análise! Mas é que o Teatro tem muito mais a ver com a intuição do que com a racionalização, embora tivesse sido isso que me foi pedido, mas eu já tinha avisado – o meu pensamento é despenteado. O Bordalo, para além das cerâmicas que adoro – antes de serem vestidas por uma … não sei como chamar-lhe…uma Mimi, artista oficial do governo passado…,o Bordalo, não sei se todos sabem, Andou na Escola de Artes Dramáticas e chegou a estrear-se como actor no Teatro Garrett. Foi obrigado pela família a desistir, mas nunca abandonou o teatro, quer como espectador quer como desenhador e caricaturista de actores e de faits-divers do mundo teatral do seu tempo, deixando-nos um legado iconográfico que nos permite visualizar o que teria sido o teatro na Lisboa oitocentista. Mas também me lembro do Bordalo, porque foi o primeiro autor português de Banda Desenhada – “O Calcanhar de Aquiles” de 1875 e, logo a seguir “ A Berlinda”, em que se afirmava como forte aliado das “Conferências do Casino” contra o obscurantismo e o reacionarismo da sua época. Portanto e para concluir o 3º Pensamento: O Manel bebe no Gil Vicente, come no Bordalo, respira no Helder, faz vénia ao Kafka e ao Teatro do Absurdo e dá largas à sua persistente e impiedosa observação da nossa sociedade e dos seus fantoches trágico-cómicos, porque é um homem que meteu a mão na massa com que se faz o Teatro.
E agora só um desabafo – nos “Retratos” incomodou-me muitíssimo “ A Ocupação”. Vivi intensamente esses tempos, aliás como quase todos os que aqui estamos. Não tinhamos um pensamento comum, mas acho que todos acreditavamos seriamente nas nossas teorias e práticas políticas – partidárias ou não. Eramos jovens, com sangue na guelra, e queríamos transformar o sonho prometido pelo 25 de Abril numa realidade para nós, nossos filhos e netos . Muitos de nós tivemos conflitos ideológicos, houve separações dolorosas que duraram largos anos, fomos à luta e à luta pela vida, sentimo-nos vencidos, defraudados, indignados, vencemos algumas vezes, fomos vencidos quase sempre mas continuámos a lutar, de uma maneira ou de outra – neste caso através da Cultura e da Arte, convocados por um Amigo desses tempos. Estamos vivos e não dobrámos a espinha. Aleluia! Mas o texto do Manel fez-me relembrar pessoas e reviver situações tão feias, que durante toda a leitura, o copo de tinto ficou esquecido e o meu estômago deu um nó. Aquelas personagens caricaturizadas adquiriram corpos e vozes de gente real com quem me cruzei, gente que me causou mágoa e nojo, gente que nunca mais me apeteceu ver mas que anda aí, na maior parte dos casos, impante e olimpicamente soberana, desmandando mas subserviente – aos patrões nacionais ou europeus ou americanos ou…ou…seja o que for que lhes dê mordomias e que se lixe o resto. A estes, Manel, não é preciso recomendar que pensem. Eles sabem demasiado bem o que pensar e como pensar. A estratégia é o seu prato forte. Estes é que são donos de estratégias para sufocar o pensamento dos outros, e têm tido algum sucesso. Parabéns Manel, conseguiste com o teu escárneo reviver o nojo que sinto por essa gente.
Fernanda Lapa
2 de Novembro 2016
Manuel Marcelino –
ler o que a Fernanda Lapa escreveu
Manuel Marcelino –
teatro actual e políticamente incorrecto