Ler por aí… em Pemba, Moçambique

Ler por aí… em Pemba, Moçambique

O médico Sidónio Rosa encolhe-se para vencer a porta, com respeitos de quem estivesse penetrando num ventre. Está visitando a família de Bartolomeu Sozinho, o mecânico reformado de Vila Cacimba. À porta, a esposa, Dona Munda, não desperdiça palavra, nem despende sorriso. É o visitante quem arredonda o momento, inquirindo:
– Então, o nosso Bartolomeu está bom?
– Está bom para seguir deitado, de vela e missal…
A voz rouca parece distante, contrariada como se lhe custasse o assunto. O médico acredita não ter entendido. Ele é português, recém-chegado a África.

Baseando-se em apenas uma referência espacial concreta, pode especular-se que esta história se passa numa aldeia – Vila Cacimba, aldeia imaginária – perto de Pemba (antiga) Porto Amélia, na costa Norte de Moçambique. É em Porto Amélia que o negro Bartolomeu Sozinho afirma, com orgulho, ter ingressado ao serviço da Companhia Colonial de Navegação.

O choque de culturas é sempre presente neste, como noutros romances de Mia Couto. Moçambique é África e Sidónio Rosa é Europa forasteira, colonizadora. Toda a narrativa está impregnada de ambivalências e a cacimba impede-nos de ver mais nitidamente. A verdade é apresentada de forma enevoada, e as relações, interessadas ou interesseiras, são sempre ambivalentes, entre marido e mulher, entre médico e doente, entre colonizador e colonizado. A luta do ente mais fraco (colonizado) é uma luta de resistência, uma luta que se faz pela falsa aderência às normas colonizadoras (do ente mais forte). Isto é pós-colonialismo, nos vários relacionamentos narrados.

Ler este livro em Pemba, ou numa aldeia dos arredores, por exemplo em Murebwé, terra natal de Bartolomeu Sozinho, é a sugestão. Se não estiver a planear uma viagem a Moçambique, este é um livro para ler num dia de nevoeiro (não consigo imaginar Moçambique mergulhado no nevoeiro…)

 

 

Mia Couto

Foto retirada do blog Image Nations – Promoting African Literature http://freduagyeman.blogspot.pt

Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, numa família de portugueses. Enquanto estudante, em Lourenço Marques, lutou pela independência do país ao lado da FRELIMO. Trabalhou como jornalista, entre 1975 e 1985, ano em que regressa aos estudos para se formar como biólogo.

Mia Couto estreou-se na literatura com o livro de poemas Raiz de Orvalho (1983). Seguiram-se Vozes Anoitecidas (1986) e Cada Homem é uma Raça (1990), dois livros de contos. No conto, publicou ainda Estórias Abensonhadas (1994) e O Fio das Missangas (2003), entre outros.

O primeiro romance saiu em 1992, Terra Sonâmbula , e mais tarde A Varanda do Frangipani (1996), Mar Me Quer (1998), Vinte e Zinco (1999), O Último Voo do Flamingo (2000), A Chuva Pasmada (2004), O Outro Pé da Sereia (2006), Jesusalém (2009), sem mencionar todos, muitos deles merecedores de prémios e com algumas adaptações teatrais.

O trabalho na vertente ambiental e o activismo político surgem na produção literária de forma não óbvia mas determinante, e proporcionam uma abordagem muito particular da realidade africana.

 

 

Moçambique Índico

Foto retirada do blog Madalas de Moçambique http://madalas.blogs.sapo.pt

O Oceano Índico liga África à Ásia, e Moçambique foi desde sempre um ponto de passagem entre os dois continentes. No litoral moçambicano subsistem vestígios deste comércio, nomeadamente a presença significativa de famílias de origem indiana e o uso das capulanas, panos introduzidos na costa oriental africana durante o século XIX, numa reinterpretação dos saris indianos. A própria gastronomia moçambicana é também fortemente influenciada pelos sabores orientais.

O Índico é um dos grandes atractivos em Moçambique, possibilitando a prática de mergulho, vela e outras actividades náuticas, para além de propor praias que são ainda locais de tranquilidade e beleza natural. O outro atractivo a ter em conta é a savana.

Em ambos os espaços, desperta curiosidade e aproxima-nos da realidade de Venenos de Deus, Remédios do Diabo o encontro com a vida nas aldeias locais.

Margarida Branco
© Ler por aí… (2011)

 

 

 

 

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