Ler por aí… nas ilhas da Bretanha, França

Ler por aí… nas ilhas da Bretanha, França

“As ilhas são diferentes. E quanto mais pequena for a ilha, mais isto é verdadeiro. Reparem na Grã-Bretanha. É quase inconcebível que uma faixa de terra tão estreita contenha tamanha diversidade: o jogo de críquete, chá com natas, Shakespeare, Sheffield, peixe e batatas fritas avinagrados em folhas de jornal, o Soho, Oxford e Cambridge, a praia de Southend, esperguiçadeiras listradas em Green Park, os Beatles e os Rolling Stones, Oxford Street, as indolentes tardes de domingo. Tantas contradições. E todas elas marchando juntas como manifestantes embriagados que ainda não perceberam que a principal causa de protesto são eles próprios. As ilhas são pioneiros, grupos dissidentes, descontentes, peixes fora de água, isolacionistas naturais. Como já disse, diferentes.”

Será que existe mesmo a ilha de Le Devin? Ela é tão detalhadamente descrita ao longo do prólogo deste livro que ficamos na dúvida, apesar de não a encontrarmos em nenhum atlas nem em nenhuma enciclopédia.

A Praia Roubada é uma história sobre o regresso. Após dez anos de ausência, Mado regressa a Les Salants para rever o pai, inóspito como a paisagem da ilha, mas diferentemente do vento sempre presente, silencioso. De volta a Le Devin, Mado pode também confirmar que as antigas rivalidades e as ainda mais antigas superstições da ilha permanecem imutáveis.

Neste livro, Joanne Harris, imbatível em criatividade ficcional, apresenta-nos um cenário que é ele próprio agente da acção – Les Salants contra La Houssinière, as duas povoações da ilha, uma delas em declínio enquanto a outra emergente de actividade; a praia que passa de um lado para o outro da ilha; La Goulue, “a sôfrega”, que engole tudo o que lá vai parar; La Bouche, o cemitário de lama onde as campas se movem; e o mar de La Jetée, de onde tudo retorna.

Sainte Marine de La Mer, dona dos destinos da ilha, uma vez perdida no mar, tem tanto poder como a superstição dos habitantes de Les Salants. Tudo retorna, e a santa retorna, e com ela a sorte de Les Salants.

A rivalidade entre as duas povoações só é relativizada quando um inimigo maior surge à distância, e todos têm de se unir na luta contra esta ameaça comum. Felizmente Sainte Marine de La Mer está lá para ajudar.

Tal como em outros livros de Joanne Harris, onde quer que estejamos a ler A Praia Roubada, a sua linguagem exuberantemente sensorial transporta-nos de imediato para a praia, e quase que sentimos a areia debaixo dos pés e o gosto salgado do ar.

Mesmo assim, tente ler este livro numa das ilhas ao largo da Vendeia e da Bretanha, na costa ocidental de França – Le Devin situar-se-á algures entre as ilhas de Yeu e de Noirmoutier. O cheiro a iodo e a ostras é fundamental. O ruído das ondas, também, e a comodidade húmida de uma esperguiçadeira de lona às riscas azuis e brancas torna tudo ainda mais real. Procure um lugar de onde aviste um farol, ou então um pequeno porto de barcos de pesca.

Felizmente a maré negra do petroleiro Erika já passou há sete anos, e a paisagem em redor já voltou a ser maravilhosa e cheia de vida. Queira Sainte Marine de la Mer que não regresse.

 

Joanne Harris

Foto retirada do site oficial de Joanne Harris, http://www.joanne-harris.co.uk

Joanne Harris é uma das mais lidas escritoras da actualidade. Nasceu no Yorkshire, em Inglaterra, em 1964, e cresceu no ambiente da loja de guloseimas da avó, que também era conhecida pela sua arte como curandeira. A família da mãe era francesa, e Joanne passou longas férias de Verão na ilha de Noirmoutier. Vivências como estas terão contribuído para a riqueza sensorial da escrita de Joanne Harris.

Estudou Línguas Modernas e Medievais em Cambridge e após terminar os estudos leccionou Francês na escola secundária em Leeds e Literatura Francesa na Universidade de Sheffield.

Durante os quinze anos dedicados ao ensino, publicou três romances: The Evil Seed (1989), não editado em português, Valete de Copas, Dama de Espadas (1993), e Chocolate (1999), que foi adaptado ao cinema por Lasse Hallström e inclui no elenco Juliette Binoche e Johnny Depp.

Perante o sucesso de Chocolate, o ensino tornou-se incompatível com a actividade de escritora e Joanne Harris passou a dedicar-se em exclusivo à escrita. Desde Chocolate, tem sido imparável: Vinho Mágico (2000), Cinco Quartos de Laranja (2001), A Praia Roubada (2002), o livro de receitas da família de Joanne Harris, em co-autoria com Fran Warde, A Cozinha Francesa (2002), Na Corda Bamba (2003), o livro de contos Danças e Contradanças (2004), The French Market (2005), mais um livro de receitas em co-autoria com Fran Warde, não editado em português, e Xeque ao Rei (2005). Em 2007, Joanne Harris publicou The Lollipop Shoes, sequela de Chocolate, que ainda não está editado em Portugal, e prevê-se para Setembro o lançamento de Runemarks.

Espera-se para breve a adaptação ao cinema de A Praia Roubada e Vinho Mágico.

 

 

As ilhas da Bretanha

Foto retirada do site do Turismo de Noirmoutier http://www.ile-noirmoutier.com

As ilhas ao largo da costa ocidental francesa têm um charme irreplicável noutros lugares. Noirmoutier parece ser a ilha que inspirou a Praia Roubada, uma vez que era nesta ilha que Joanne Harris passava as férias de Verão durante a infância. Existe na ilha uma povoação que se chama Devin, o que não deixa de ser interessante.

Na ilha de Noirmoutier o mar ora esconde ora mostra baixios a perder de vista, onde aves, peixes e moluscos fruem de um habitat sensível. Le Gois é uma estrada de 4,5 kms que liga a ilha ao continente (Beauvoir-sur-mer), e que fica submersa durante a maré-cheia.

Em Noirmoutier as praias têm barraquinhas brancas com riscas azuis ou encarnadas, as esplanadas junto aos portos de pesca servem ostras ao natural e podem alugar-se barcos à vela ou bicicletas. Recomendado para quem procura uns dias de autenticidade e retorno às coisas simples da vida.

 

Margarida Branco
© Ler por aí… (2007)

 

 

 


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