Ler por aí… no Botswana

Ler por aí… no Botswana

“Mma Ramotswe tinha uma agência de detectives em África, no sopé dos montes Kgale. O total dos seus haveres consistia numa pequena carrinha branca, duas secretárias, duas cadeiras, um telefone e uma velha máquina de escrever. Havia também uma chaleira, onde Mma Ramotswe – a única detective particular do Botsuana – fazia chá de rooibos. E três canecas – uma para ela, uma para a sua secretária, e outra para o cliente. De que mais precisa realmente uma agência de detectives? As agências de detectives assentam na intuição e inteligência humanas, e Mma Ramotswe possuía ambas em abundância. É claro que nenhum inventário as incluiria.”

A agência de detectives de Mma Ramotswe ficava situada nos arredores de Gabarone, a capital do Botswana. Ali era a orla do deserto do Calahari, que se via da janela. Os clientes tomavam ali um chá de rooibos e contavam os seus casos, e ali também ela se entregava à reflexão sobre os mesmos, e a trocas de impressões com a sua secretária Mma Makutsi, sobre os ditos mesmos.

A agência de detectives ficava junto a Lobatse Road e a Kgale Hill, lugar de passagem para a maioria da população de Gabarone, e aí Mma Ramotswe colocou uma tabuleta.

A casa de Mma Ramotswe ficava junto à Zebra Drive, principal artéria da cidade de Gabarone. Era uma casa com jardim, que fazia esquina e onde Mma Ramotswe se dedicava à jardinagem e à horticultura, e cozinhava o seu guisado de abóbora. Mexer o guisado era das actividades mais produtivas de Mma Ramotswe – que teria Mma Christie pensado num caso como este? Pela manhã, Rose cantava, e espantava todos os seus males.

A Tlokweng Road Speedy Motors era propriedade de J. L. B. Matekoni e era lugar de conversas das quais surgia sempre uma intuição valiosa para a resolução de um caso.

As várias investigações em que acompanhamos Precious Ramotswe são muito diversas e dispersas geograficamente. Começando em Gabarone, o caso Patel leva-nos até ao Centro Comercial Africano e ao Centro do Livro do Botswana. O caso Busang faz-nos entrar no Go-go Handsome Man’s Bar e o caso Malatsi termina com a morte de um crocodilo nas margens do rio Notwane, um dos afluentes do Limpopo. Afastando-nos um pouco mais, atravessamos a fronteira com a África do Sul até Mafikeng, onde Mma Ramotswe lê o Johanesburg Star no Café da Estação. É também em Mafikeng que Precious invade propriedade privada e descobre a falsa identidade de um médico, no caso Komoti. No caso Moretsi, Precious conduz até Mahalapie, a norte e a meio caminho para Francistown, em que, sozinha, não tem outro remédio senão matar ela própria uma cobra que se alojara no motor do carro. Finalmente, penetra no perigoso mundo da feitiçaria avançando Calahari adentro para salvar uma criança.

O processo criativo-dedutivo de resolução dos casos é explorado no livro, mostrando como a intuição aproveita todos os pedaços de informação, mesmo os que não parecem ter qualquer relação com o problema em mãos. Precious Ramotswe compreende a solução de um caso na sequência de conversas, leituras e actividades banais, e também durante a investigação de outros casos. A propósito, é quase certo que o livro em que Precious estuda o seu ofício, Princípios da Investigação Particular, de Clovis Andersen, só existiu na imaginação de Alexander McCall Smith.

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives é uma obra em que se revêm todos os que já se lançaram num negócio próprio, e esclarecedor para todos aqueles que pretendem fazê-lo, ao retratar as dificuldades e preocupações associadas ao arranque e primeira fase de um pequeno negócio.

Está desde muito recentemente disponível em filme, realizado por Anthony Minghella (O Paciente Inglês e O Talentoso Mr. Ripley) e totalmente rodado no Botswana.

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives faz parte de uma série que já conta nove títulos, dos quais em Portugal ainda só podemos usufruir de três – o segundo é As Lágrimas da Girafa e o terceiro é Moralidade e Raparigas Bonitas (todos publicados na Presença).

Leia A Agência Nº1 de Mulheres Detectives enquanto toma um chá de rooibos, de preferência debaixo de um alpendre ou à sombra de uma acácia, e delicie-se.

 

 

Alexander McCall Smith

Foto retirada do site do Daily Mail http://www.dailymail.co.uk

Alexander McCall Smith nasceu no Zimbabwe (que se chamava Rodésia na época), tendo aí iniciado os seus estudos, que prosseguiram na Escócia, com a licenciatura em Direito pela Universidade de Edimburgo. Ensinou Direito nesta universidade e depois na Universidade do Botswana, que ajudou a criar. Foi professor de Medicina Legal, de novo na Universidade de Edimburgo, e é uma sumidade no campo da bioética, tendo sido membro da Comissão Internacional de Bioética da UNESCO. Devido ao seu sucesso como escritor, estas suas actividades foram sendo sucessivamente abandonadas.

E ainda bem, pois assim temos possibilidade de nos deliciar com obras que de outra forma não teriam sido criadas. Para além da Série A Agência Nº1 de Mulheres Detectives (com nove títulos), McCall Smith escreveu ainda a Série Professor Dr. von Igelfeld (com três títulos, entre eles Portuguese Irregular Verbs chamou-me naturalmente a atenção), a Série The Sunday Philosophy Club, a Série 44 Scotland Street, vários contos inspirados em África e diversos livros infantis. Fora da Série A Agência Nº1 de Mulheres Detectives, Angus é o único livro de McCall Smith que está publicado em português de Portugal, pela mão da Teorema. No Brasil, O Clube Filosófico Dominical está publicado pela Companhia das Letras.

A Agência Nº1 de Mulheres Detectives, publicado pela primeira vez em 1998, ganhou o Booker Prize for Fiction Judges’ Special Recommendations, fez parte da lista de bestsellers do New York Times e foi um dos livros do ano votados pelo Times Literary Supplement. Em 2004, Alexander McCall Smith ganhou o prémio de Autor do Ano do British Book Awards.

Alexander McCall Smith vive com a sua mulher em Edinburgo e toca fagote na The Really Terrible Orchestra.

 

 

Botswana

Foto retirada do site Photos-Voyages http://www.photos-voyages.com

O Botswana era o antigo Protectorado de Bechuanalândia, colónia inglesa, inicialmente povoado pelos San (bushmen), povo de caçadores recolectores, e que são os mais genuínos filhos e Adão e Eva segundo recentes estudos genéticos. No século XIV, uma tribo bantu, os tswana, terão migrado da África oriental ocupando os territórios dos san, e hoje representam a principal etnia do Botswana. O território tswana fez parte, no século XIX, dos domínios de Shaka Zulu, e mais tarde, missionários de diversas ordens, maioritariamente inglesas, estabeleceram-se na região. Numa destas missões chegou em 1841 o Dr. Livingstone, que explorou e cartografou a região Sul do país.

O Protectorado resultou da intervenção em 1885 da Inglaterra nos confrontos que ocorreram entre tribos, e destas com os boers. Apesar de estar prevista a transferência do território para a entretanto formada República de África do Sul, isso nunca ocorreu, até que em 1965 o Botswana obtém a independência e transfere a sede do governo do território, em Mafikeng (África do Sul) para a jovem cidade de Gabarone, considerada hoje a cidade africana com maior crescimento. O Botswana é desde então um dos países mais pacíficos de África, tornando-se um destino de viagem bastante atractivo.

A região sul do país, onde fica localizada a capital Gabarone, é dominada pelo rio Notwane, afluente do Limpopo, e pelo deserto do Calahari, que continua para oeste  e se prolonga pela Namíbia. A leste, fica o Parque Nacional do Malakgadi, e a norte, o delta de Okovango, bem como o rio Chobe. A principal atracção é, em todo o território, o contacto com a natureza selvagem.

Devido à forte influência sul-africana, no Botswana é popular o biltong, tiras de carne salgada e seca, geralmente de vaca. Vende-se em mercados e feiras, e em eventos desportivos. Outro petisco bastante usual e apreciado são as lagartas de mopane, secas.

 

Margarida Branco
© Ler por aí… (2008)

 

 

 

 

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