Ler por aí… no Benim

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“No século XIX o reino do Daomé era uma Esparta negra entalada entre as tribos Yoruba da Nigéria actual e as tribos Ewe do Togo. Os seus reis tinham cicatrizes de garras nas têmporas e eram descendentes duma princesa de Adja-Tado e do leopardo que a seduziu nas margens do rio Mono. O povo chamava-lhe “Dada”, que em fon quer dizer “pai”. Os seus regimentos mais ferozes eram constituídos por mulheres e a sua única fonte de rendimentos era a venda dos vizinhos mais fracos.

Abomey era a capital de tais reis, no interior do país. O nome do seu porto negreiro era Ouidah (Whydah para os ingleses ou Ajudá para os portugueses) – actualmente uma cidadezinha esquecida, apenas notável pelas ruínas de três fortes europeus e o templo de Dagbé, a Píton Celeste que abriu os olhos aos homens.”

A casa de Francisco Félix de Sousa situava-se mesmo em frente ao sítio onde eram realizados os leilões de escravos, e que constitui hoje o início da Rota dos Escravos.

O Vice-Rei de Ajudá, de seu nome Francisco Manuel da Silva, é uma personagem ficcionada a partir da figura de Francisco Félix de Sousa, baiano traficante de escravos que governou o enclave de Ajudá até 1848 e originou uma dinastia de governadores da fortaleza. Este enclave foi uma colónia portuguesa até 1961!

Chatwin mostra-nos o percurso de Francisco Manuel desde os seus dias na Baía, em que a dura luta pela sobrevivência o tornou num homem se sentimentos duros, de tal forma que não nos surpreendem nenhum dos seus actos.

Como traficante de escravos, as relações com os reis do Daomé nem sempre foram as melhores. Estes reis viviam na então capital do reino, Abomey (que significa “entre muralhas”), cujos doze palácios (um de cada rei) são património mundial da UNESCO. O palácio do rei Adandozan, com fama de cruel e mau governante, desapareceu, como aliás o seu nome desapareceu da contagem de um a doze destes reis. Quanto ao palácio do rei Guezo, irmão de Adandozan, é o nono na contagem e o seu palácio pode ser visitado. Como os restantes, apresenta baixos relevos que contam a história do reino do Daomé.

Era em Abomey que eram recrutadas e treinadas as Amazonas do Daomé. Este grupo de mulheres guerreiras foi originalmente criado para servir de guarda ao rei, mas acabou por se tornar num exército guerreiro dos mais ferozes, que atacava as tribos inimigas com o objectivo de obter escravos para alimentar o tráfico, base da economia do reino na época. Eram na época do rei Guezo perto de 6000.

Francisco Manuel terá cooperado com as Amazonas, mas até ele se terá horrorizado com as suas práticas.

O Vice-Rei de Ajudá está na origem do filme Cobra Verde (1987), de Werner Herzog, em que participam o actor de origem polaca Klaus Kinski e o brasileiro José Lowgoy.

Se puder, leia este livro sentado num banco, degrau, muro ou pedra (à sombra) junto à fortaleza de São João Baptista de Ajudá, agora Museu de História de Ajudá.

 

 

Bruce Chatwin

Foto retirada da Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Chatwin

Bruce Chatwin nasceu em 1940 na zona de Sheffield, Yorkshire, em Inglaterra. Quando o seu pai regressou da guerra, a família mudou-se para Birmingham, onde Chatwin passou a maior parte da infância. Em casa havia uma pele de perguiça, trazida da Patagónia por um tio, e que Chatwin idolatrou em criança. Desde então não largou o sonho de ir ver a gruta em que o animal tinha sido encontrado.

Começou a trabalhar em Londres como porteiro da Sotheby’s, e rapidamente se tornou num perito em Impressionismo. Frequentou Arqueologia na Universidade de Edimburgo e participou em expedições arqueológicas ao Afeganistão e ao Egipto, onde começou a sua admiração por um estilo de vida nómada e livre de bens materiais.

Trabalhou como jornalista na London Sunday Times Magazine, como assessor de arte e arquitectura, e nesta época entrevistou e conheceu diversas figuras famosas, como o escritor André Malraux e a arquitecta Eileen Gray.

Os seus livros utilizam a sua vasta experiência de vida e de mundo.

Bruce Chatwin morreu em 1989, deixando-nos o seu testemunho como viajante e estudioso de territórios, povos e seres humanos.

 

Ajudá

Foto retirada do site da UNESCO http://www.unesco.org

O caminho que os escravos faziam desde a cidade até ao porto (onde era a Porta do Não Retorno, e hoje está um monumento alusivo) está hoje assinalado como a Rota dos Escravos, um percurso com cerca de 4 kms ladeado por inúmeras esculturas baseadas na temática do tráfego de escravos.

Para além desta curiosidade, Ajudá é hoje um lugar aprazível para uma temporada na praia, intercalada com incursões culturais (como eu própria gosto de fazer, para não cansar da praia a tempo inteiro…) Assim, o antigo Forte de São João Baptista foi transformado em museu. O Templo da Piton, mesmo em frente à Catedral, também se pode visitar. Esta vizinhança lembra como as religiões indígenas e a igreja católica convivem nestas paragens. É aqui a capital do voodoo… A casa de Francisco Félix de Sousa situar-se-ia mesmo em frente ao sítio onde eram realizados os leilões de escravos, e que é o ponto onde se inicia a Rota dos Escravos.

Pelas ruas de Ajudá, percebemos a arquitectura de origem colonial, que mesmo nos casos que pedem alguma manutenção, é sempre encantadora e transporta-nos para outra época.

Ajudá é hoje objecto da atenção da UNESCO, através do seu Projecto da Rota dos Escravos, que assinalando os lugares por onde este tráfico passava, tem como objectivos promover a tolerância entre os povos mostrando as consequências de uma prática histórica que se pretende de ”não retorno”.

 

Margarida Branco
© Ler por aí… (2007)

 

 

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