Ler por aí… no Litoral Alentejano
“Primeiro ele pensou que fosse um espantalho. Ao vir à rua sob a luz cansada da manhã para aliviar a bexiga, benzendo como sempre a velha árvore de Judas, João voltou a cabeça e viu a forma escura no bosque. Demorou algum tempo a fechar a braguilha das calças. Os seus dedos eram como agentes inimigos. Pretendiam ser os seus instrumentos, mas trabalhavam contra ele em segredo.
João avançou por entre os ramos cobertos de musgo pensando apenas isto: “oitenta e quatro anos sobre a terra é uma eternidade”.
Tocou nas botas de Rui. Quase chegavam ao chão.”
Este livro é como um mosaico de diferentes histórias que não chegam a entrelaçar-se, embora ocupem o mesmo espaço. O espaço de uma pequena aldeia alentejana, com as suas paredes caiadas e as portas e janelas contornadas a azul, o azul Alentejo. Esta aldeia é Mamarrosa, uma aldeia imaginada pela autora, que terá passado umas férias no Alentejo, que a inspiraram para a escrita deste livro. Sendo uma aldeia imaginada, sabemos que se situa junto ao litoral, e por ser azul, podemos imaginar (também nós) que seria semelhante a Santa Susana, uma pequena aldeia, azul, no concelho de Alcácer do Sal.
O retrato que Monica Ali faz do Alentejo e dos alentejanos não é uma lisonja. Brick Lane, que retrata a comunidade do Bangladesh em Londres, também não o é. A diferença entre os bengali londrinos e os alentejanos será (talvez?) que estes lêem menos. Goste ou não se goste deste retrato, seja ele verdadeiro ou nem por isso, este é o olhar da autora.
Alentejo Blue. Um trocadilho. Azul Alentejo. Balada do Alentejo. O Alentejo e os seus blues, o Alentejo deprimente. Fazem parte deste mosaico ficcional histórias de alentejanos e histórias de ingleses, em visita ou a viver no Alentejo. Todos passam pelo café do Vasco, embora não em simultâneo. Este é um local que está ele próprio de passagem pelo eixo do tempo, cativo de propostas gastronómicas pertencentes a um passado a que ninguem quer voltar, e por fim vencido pelo cybercafé que aponta o futuro.
Leia Alentejo Blue na esplanada de um café de uma vila alentejana. Santa Susana tem vários. Very tipical.
Monica Ali
Monica Ali nasceu em Daca, no Bangladesh, em 1967, filha de pai bengali e mãe inglesa. Aos três anos, passou a residir em Inglaterra. Estudou filosofia, política e economia em Oxford. Para além de Alentejo Blue (publicado pela primeira vez em 2006), conta na sua obra com Brick Lane (2003, com edição brasileira e adaptação ao cinema) e o recente In The Kitchen (2009, ainda sem tradução em português). Em 2003, fez parte da lista dos melhores escritores jovens da Granta. Vive actualmente em Londres, com o marido e os dois filhos.
Litoral Alentejano
O Litoral Alentejano estende-se ao longo de cerca de 120 quilómetros, incluindo os concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira. As praias são o grande atractivo. A natureza é a grande riqueza, a fruir e preservar para as gerações seguintes. As vilas mais para o interior guardam segredos nos castelos, mesquitas transformadas em igrejas, cisternas e relógios de sol. Os petiscos, todos sabem a coentros – o arroz de coentros, a sopa de coentros, as migas com coentros, os ensopados também têm coentros…
Margarida Branco
© Ler por aí… (2009)
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