Ler por aí… nos Açores: Mulher de Porto Pim, de Antonio Tabucchi
Tenho uma grande afeição pelos honestos livros de viagens e deles fui sempre um assíduo leitor. Têm a virtude de oferecer um alhures teórico e plausível ao nosso onde imprescindível e maciço. Mas uma elementar lealdade obriga-me a pôr de sobreaviso quem porventura esperasse deste livrinho um diário de viagem, género que pressupõe tempestividade de escrita e uma memória impermeável à imaginação que a memória produz – qualidade que devido a um paradoxal sentido do real desisti de perseguir. Tendo chegado a uma idade em que me parece mais digno cultivar ilusões do que veleidades, resignei-me ao fado de escrever segundo a minha índole.”
Açores, Atlântico, baleias e mais Açores
Aceitando a sugestão de Rui Cóias, poeta e bloguista (Fundamentos de Passagem), li e fiquei rendida, daí que a proposta deste mês é a Mulher de Porto Pim, de António Tabucchi.
O pequeno livro está recheado de histórias, fragmentos, descrições mais ou menos científicas e até regulamentos. O epicentro de todos eles, o arquipélago dos Açores. Histórias, a de Antero de Quental, que nasceu e pôs fim à vida em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel; também a história da mulher de Porto Pim, que dá título ao livro, e de seu nome Yeborath. Fragmentos, o do diálogo, escutado, daquele casal a chegar de barco à ilha do Pico, ou o da excursão dos ingleses em Santa Cruz das Flores, ou ainda o da escala daquele outro casal, que velejava ao som de Mozart, e outros de outros navegantes. Descrições, a da caçada ao cachalote, a da morte de uma baleia, as descrições de baleias que dão à costa, a do amor entre baleias, a da gestação, parto e amamentação dos maiores mamíferos vivos. Regulamentos, finalmente. Aquele que regula a pesca de cetáceos, cheio de pormenores.
Tabucchi transcreve para este livro excertos de Melville, Michelet e do Príncipe Alberto I do Mónaco. Deveria ter querido transcrever também Chateaubriand… uma frase que terá sido o seu “farol inútil na noite” e que não conseguiu localizar – existirá de facto? Parece que na ilha do Pico não… O alfenim, as alminhas, os naufrágios, os piratas, aldeias e canções. Antonio Tabucchi também fala deles. Fica uma vontade de partir já, e ficar por lá sem pressas.
Não obstante, este livro lê-se numa tarde. Lanche no Peter Café Sport e no fim terá ficado, não só com mais um livro e (quiçá) mais um autor na sua bagagem literária, ficará também a conhecer um género literário absolutamente sui generis, passe o pleonasmo.
Antonio Tabucchi
Antonio Tabucchi nasceu em Pisa em 1943 e foi criado pelos avós maternos em Vecchiano, uma aldeia próxima. Estudou na Universidade de Pisa, e numa das suas viagens pela Europa descobriu, em Paris, a obra de Fernando Pessoa. A partir daí, Tabucchi tornou-se um apaixonado por Portugal e pela personalidade e obra de Fernando Pessoa. Em 1969 terminou o doutoramento em estudos portugueses com uma tese sobre o Surrealismo em Portugal. Em 1973 foi convidado a leccionar Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Bolonha, e em 1978 na Universidade de Génova. Mulher de Porto Pim foi escrito neste período, e publicado pela primeira vez em 1983. No ano seguinte, foi publicado o seu primeiro romance, Nocturno Indiano, transposto para o cinema por Alain Corneau. Nos anos seguintes escreveu Pequenos Equívocos sem Importância, O Fio do Horizonte (com filme de Fernando Lopes) e Os Voláteis do Beato Angélico.
Em 1990, Tabucchi foi condecorado pelo Presidente da República Ramalho Eanes com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e foi também nomeado Chevalier des Arts et des Lettres pelo governo francês.
Requiem, romance escrito em português como tributo a Fernando Pessoa, foi publicado em 1992 e recebeu o prémio do PEN Club italiano. Os Últimos Três Dias de Fernando Pessoa saiu em 1994, tal como Afirma Pereira, que mereceu o Premio Jean Monnet da Literatura Europeia e o filme de Roberto Faenza, com Marcello Mastroianni e Joaquim de Almeida.
Em 1997 foi publicado o romance A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro e em 2001 Está a Fazer-se Cada Vez Mais Tarde, um romance epistolar que recebeu em 2002 o prémio France Culture de literatura estrangeira.
Metade do ano, ensina na Universidade de Siena, metade do ano escreve em Lisboa.
Açores
É um dos arquipélagos mais puros do mundo, e esperemos que assim se mantenha. As baleias já podem passar por ali sem medo, e os antigos baleeiros são agora embarcações utilizadas na observação de cetáceos. Admirável exercício de reinvenção.
Das nove ilhas dos Açores, Tabucchi escreve sobre o Pico, o Faial, São Miguel e as Flores. Porto Pim fica situado na ilha do Faial, perto da cidade da Horta, e com vista para o Pico. É na Horta que fica o Peter Café Sport, bar bem carismático e conhecido dos navegantes e velejadores de todo o mundo. A ilha das Flores é a mais ocidental das nove ilhas. Será que ainda resta alguma das casas em forma de barco? Em São Miguel fica Ponta Delgada, a capital da Região Autónoma, e local de nascimento e morte de Antero de Quental. Tabucchi refere o largo da Matriz, outras fontes falam do Campo de São Francisco. Tabucchi afirma que era meio dia, as outras fontes sustentam as oito da noite. Ambos concordam que foram dois tiros. Nas Lajes do Pico fica o Museu dos Baleeiros, e afinal existe um farol na ilha!
O alfenim é o único alimento local que é referido no livro, e é uma gulodice feita de açúcar, que assume formas de animais ou outras, e é uma tradição nas festas religiosas e casamentos. Apesar de não referidos, existem outros produtos com que se deleitar quando visitar o arquipélago. Começando pelas numerosas variedades de peixe do Atlântico, seguindo para a carne de vitela local, continuando com os queijos e manteigas e finalizando com os vinhos, os mais célebres são do Pico. Isso mesmo.
Margarida Branco
© Ler por aí… (2008)
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