A Casa e o Mundo, de Rabindranath Tagore: Ler por aí… em Bengala, na Índia

A Casa e o Mundo, de Rabindranath Tagore: Ler por aí… em Bengala, na Índia

A Casa e o Mundo, de Rabindranath Tagore: Ler por aí… em Bengala, na Índia

A Casa e o Mundo, de Rabindranath Tagore, é um livro passado na região de Bengala, no sudeste da Índia. Depreende-se isto por algumas deslocações que as personagens fazem a Calcutá (capital do estado de Bengala Ocidental), e porque é a origem do próprio autor. Em termos de localização no tempo, leva-nos à época do Movimento de Independência da Índia, no início do século XX.

Mãe, vieram-me hoje à memória o sinal de vermelhão na risca do teu cabelo, o sari de largo debrum encarnado que costumavas usar e esses teus olhos maravilhosos, tão profundos e serenos. Surgiram no princípio da minha vida como o primeiro alvor da aurora, foram como uma provisão de ouro para me acompanhar na jornada.”

A maior parte da narrativa é passada dentro do palácio de Nikhil e Bimala, um palácio que podemos imaginar luxuoso, um palácio de marajás. Tagore poderá ter imaginado as personagens a moverem-se nos salões e varandas de um palácio semelhante àquele em que ele próprio nasceu e foi criado: o Jorasanko Thakur Bari.

Nesta história está sempre presente a tensão entre a Casa e o Mundo, entre o “dentro” e o “fora”, quer no plano “macro” da situação política da Índia, quer num plano mais “micro”, pessoal e familiar.

Por um lado, no plano “macro”, público, político, encontramo-nos numa Índia colonizada pelo Império Britânico, e que pretende tornar-se independente e auto-suficiente. Os partidários do movimento Swadeshi apelam ao consumo exclusivo de produtos indianos, e ao boicote de produtos de origem imperial.

A Índia estava entre a Casa (a ambição de ser auto-suficiente e independente) e o Mundo (fazer parte de algo maior, o Império). Mas também podemos ver a Índia entre a Casa (a submissão à potência colonial) e o Mundo (um território e um povo que se quer independente, ter o seu próprio lugar e “fazer-se à vida” com aquilo que é e tem).

Por outro lado, no plano “micro”, privado, familiar, encontramos Bimala, esposa de Nikhil, dividida entre a Casa (a vida doméstica, no palácio, uma vida de dedicação ao seu marido), e o Mundo (a vida fora do palácio, representada pelo amigo de Nikhil, Sandip).

… o amor é um vagabundo e, às vezes, as suas flores desabrocham melhor na poeira das bermas da estrada do que nas jarras de cristal das salas.”

Se esta tensão existe, não é por Nikhil exigir de Bimala uma existência fechada na Casa. Pelo contrário, Nikhil percebe a chegada de um novo tempo à sociedade indiana e ele próprio deseja que a sua mulher se volte para fora, conheça o Mundo.

– Gostaria que fosses para o coração do mundo exterior e travasses conhecimento com a realidade. Limitares-te aos teus deveres domésticos, passares a vida inteira fechada no mundo das convenções domésticas e na escravidão das lidas caseiras… Não, não nasceste para isso! O nosso amor só será autêntico, verdadeiro, se nos encontrarmos e reconhecermos no mundo real.”

Perguntava a mim próprio se o amor que dela recebia jorrava do manancial fundo do seu coração ou era apenas como a provisão diária de água canalizada, bombeada pelo motor municipal da sociedade.”

Sandip é o turbilhão que desencadeia a força centrífuga. Traz a revolução para o seio da Casa, e seduz tanto Nikhil como Bimala para os seus ideais, sem olhar a meios para atingir a sua ambição. Com a chegada de Sandip, a trajectória dramática, de dentro para fora, é inevitável e irreversível.

A passagem do mundo estreito para o vasto mundo é tempestuosa.”

Quem me apresentou este livro, já há muitos anos, foi a minha mãe. Ela não me sugeriu a leitura, ela mandou-me lê-lo! Consigo adivinhar porquê. A edição que li veio da sua casa e é uma edição antiga, da Europa-América. Tão antiga que não aparece uma data na ficha técnica, nem um ISBN, apenas um número de depósito legal. Serve esta nota, também, para justificar as eventuais diferenças que possam surgir nas citações que utilizei, face à edição actualmente disponível, da E-primatur, traduzida por Telo de Mascaranhas a partir do original bengali.

Rabindranath Tagore

Rabindranath Tagore
Foto de Rabindranath Tagore retirada do website da Copper Canyon Press em https://coppercanyonpress.org/

Poeta, romancista, dramaturgo, músico e pensador indiano, Rabindranath Tagore foi o primeiro escritor a receber o Prémio Nobel da Literatura fora do mundo ocidental, em 1913.

Nasceu em 1861 numa família brâmane de Calcutá, com uma tradição forte nas artes e na cultura intelectual. Estudou Direito no Reino Unido e, de regresso à Índia, dedicou-se à administração das propriedades da família mas com um toque humanista. Acreditava na educação como forma de elevação espiritual e libertação, e criou uma escola, a Visva Bharati, que é hoje uma das principais universidades da Índia, reconhecida pela UNESCO como Património da Humanidade.

A sua actividade intelectual foi um importante pilar do Movimento de Independência da Índia. Em 1919, recusou o título de Cavaleiro atribuído pelo rei Jorge V, pondo em evidência a hipocrisia e a crueldade da Inglaterra colonial.

Depois de correr mundo a explicar à humanidade a importância da liberdade, da verdade, da educação e da espiritualidade, faleceu aos oitenta anos na mansão Jorasanko onde nasceu, sem que a humanidade tivesse compreendido. Ainda não compreendeu.

Bengala e Calcutá

Foto da Jorasanko Thakur Bari
retirada do website Museums of India em https://museumsofindia.org

Bengala é uma região no Sudeste do subcontinente indiano e que, decorrente do imperialismo britânico, se encontra hoje dividida entre a Índia e o Bangladesh. Do lado indiano, a capital da Bengala Ocidental é Calcutá – fundada pelos ingleses no século XVII (não confundir com Calecute, no Sudoeste do subcontinente, cidade a que Vasco da Gama aportou em 1498).

A presença colonial inglesa na Índia terá começado oficialmente em meados do século XIX. Apesar de, até então a presença inglesa ser essencialmente comercial, começava na época a manifestar a intenção de dominar outras áreas da sociedade. Ao rebelião de 1857 seguiu-se o desmantelamento da Companhia das Índias Orientais e a presença de um Governador para o território. Calcutá era a sede desta colónia imperial e foi o epicentro do Movimento de Independência da Índia, de que fez parte Mahatma Gandhi e o próprio Rabindranath Tagore.

Hoje, Calcutá é uma cidade de enormes contrastes, nem sempre fáceis de digerir. Comida indiana, arquitectura indiana e colonial inglesa, pobreza, muita pobreza, monções, retiros espirituais, tudo isso já faz parte do imaginário que temos da Índia. Mas Calcutá tem o mais antigo sistema de eléctricos da Ásia, talvez seja este o ponto de interesse mais inesperado da cidade.

Margarida Branco
© Ler por aí… (2024)

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